domingo, 6 de setembro de 2020

Estudante de escola pública do Ceará é selecionado para competir na Olimpíada Latino-Americana de Astronomia e Astronáutica (OLAA); leia a entrevista

A jornada inspiradora de um aluno humilde, dedicado e esforçado de escola pública


Entendendo a seleção

Competir em uma olimpíada científica internacional é certamente um feito para poucos. Todo ano são selecionados apenas cerca de 10 alunos para participar de competições internacionais de astronomia. Neste ano, Bismark Mesquita do Nascimento, estudante da Escola de Ensino Médio Governador Adauto Bezerra, uma instituição pública de ensino do Ceará, foi selecionado para fazer parte da equipe que competirá na Olimpíada Latino-Americana de Astronomia e Astronáutica (OLAA).

Esta é a primeira vez que que um aluno de escola pública consegue chegar a uma fase latino-americana. Os estudantes que competirão em olimpíadas internacionais de astronomia passaram por uma rigorosa seleção. Primeiro eles fazem a Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica (OBA) e quem tem um bom resultado é convidado para participar de uma seletiva virtual. Cerca de 200 alunos, que tiveram os melhores resultados na etapa on-line, participaram de uma seletiva presencial na Barra do Piraí, Rio de Janeiro, onde eles passam uma semana fazendo provas. E você pensa que acaba aí? Que nada! Por volta de 45 estudantes que obtiveram as melhores colocações na última etapa fizeram um treinamento que seleciona apenas 10 para fazerem parte das equipes que competirão internacionalmente.

Excepcionalmente neste ano foram selecionados 25 alunos que participarão das competições internacionais. A organização da Olimpíada Internacional de Astronomia e Astrofísica (IOAA, sigla do inglês "International Olympiad on Astronomy and Astrophysics") decidiu realizar a primeira "Global e-Competition in Astronomy and Astrophysics" (GeCAA) que ocorrerá virtualmente devido à pandemia e terá duas modalidades: uma individual - que acontecerá nos dias 25, 26 e 27 de setembro de 2020 - e uma de equipe - de 28 de setembro a 12 de outubro. Também em formato on-line, acontecerá a Olimpíada Latino-Americana de Astronomia e Astronáutica (OLAA) nas duas últimas semanas de novembro, da qual o Bismark vai participar. 

Alguns professores relataram orgulho e felicidade sobre a colocação dele:

"O Bismark é uma rapaz muito dedicado e esforçado. Todos os professores dele ficam muito felizes por ele ter chegado a uma internacional. É muito gratificante ver essa jornada culminando neste desfecho tão feliz.", comenta o Me. Maxwell Lima Maciel Filho, professor de física do EEM Adauto Bezerra.

"Ele começou em 2018 no preparatório para a Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica (OBA) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) e já em 2019 estava determinado a participar das seletivas para olimpíadas internacionais de astronomia. É a consolidação de um trabalho que já vem sendo feito desde 2015. Muito orgulho e é um prêmio para todo o esforço que ele teve.", diz Paulo Otávio Bezerra Freitas Gouveia, professor responsável pelo preparatório para a OBA do IFCE.

"Todos nós da Seara da Ciência ficamos muito felizes com a conquista do Bismark, um aluno humilde de escola pública. É muito difícil um aluno assim chegar onde ele chegou porque as escolas privadas oferecem muitas vantagens, inclusive eu o vi recusar a proposta de duas gigantes escolas. 'Se eu chegar lá como aluno de escola pública...', ouvi ele dizer. Tive muita vontade de ajudá-lo por causa disso. Eu fui apenas um detalhe nessa conquista, o mérito é principalmente dele, da escola que possui um grupo de astronomia e todos os professores que passaram na vida dele! Nós, na Seara, o recebemos com muita alegria pra complementar na formação dele. Aqui ele teve aula com alunos veteranos das Olimpíadas Internacionais. Eu não poderia estar mais orgulhoso.", fala o Dr. Ednardo Moreira Rodrigues, professor do Seara da Ciência da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Além do Bismark Mesquita, Beatriz Rodrigues Freitas (Colégio Farias Brito) e Gustavo Sobreira Barroso (Colégio Antares) são outros estudantes do Ceará que participarão da OLAA. Já o Luiz Henrique Fonteles da Silveira (Colégio Farias Brito) vai participar da GeCAA Individual, enquanto a equipe da "GeCAA Team" tem os seguintes estudantes cearenses: Ualype de Andrade Uchoa (Colégio Farias Brito Pré-Vestibular Central), Gabriel Melo Lucena (Colégio Master), Philipe Medeiros Serra (Colégio Farias Brito Pré-Vestibular Central), Victor Hugo Fernandes Costa Lima dos Santos (Colégio Farias Brito) e Mateus Gomes de Souza (Colégio Antares).

Da esquerda para a direita: prof. Maxwell, prof. Heliomárzio, Bismark e prof. Ednardo 


Entrevista com Bismark

Ele nos concedeu um entrevista exclusiva. Veja suas respostas sobre o início na astronomia, inspirações, sua jornada até uma olimpíada internacional e mais:

Lusca (L): "Quando você percebeu que tinha interesse por astronomia?"
Bismark (B): "Eu sempre gostei desde criança. Quando eu era muito novo, eu já assistia a documentários sobre a área e tinha muita curiosidade."
L: "Em que momento você passou a estudar para olimpíadas de astronomia?"
B: "Foi em 2018. Eu sempre gostei de astronomia e todos os meus amigos sabiam que eu gostava, então abriram as vagas do curso preparatório para a OBA do IFCE e eles me falaram, então eu fui lá participar. Nessa época, eu nem sabia se meu colégio participava dessa olimpíada e eu fui só para ter aula de astronomia mesmo porque eu gostava. E minha escola aplicava a OBA sim, então eu me preparei com todos no IFCE e participei pela primeira vez em 2018, quando eu fui até medalhista de prata."
L: "E estudar para olimpíadas de astronomia te ajudou com outras disciplinas?"
B: "Com certeza. Principalmente para estudar matemática e física porque, na astronomia, você vê de uma forma mais aprofundada e te dá um interesse maior em estudar. Por exemplo, quando você está estudando logaritmo; é muito mais divertido estudar com astronomia do que apenas a teoria na matemática e isso acontece com vários conteúdos. Então te dá um interesse maior para vários conteúdos."
L: "Em que momento você notou que era possível chegar a uma olimpíada internacional de astronomia?"
B: "Eu fiquei sabendo das olimpíadas internacionais por meio do Paulo [professor do curso preparatório para a OBA] no IFCE. Aí, na primeira vez que participei das seletivas virtuais, eu não tinha me preparado bem, não tive um resultado bom e eu não passei. Mais ou menos em dezembro de 2018 eu coloquei como objetivo me preparar durante um ano inteiro para poder chegar em uma olimpíada internacional. Esse foi o meu objetivo desde o início, estudando desde os conteúdos básicos até os da seletivas. Eu mantinha sempre em mente que eu tinha que estudar de uma forma muito eficiente porque lá, nas seletivas, tem muitos veteranos e eu não sou veterano. Eu tinha que chegar no mesmo nível dos veteranos. E, com isso, tive a ajuda de muitas pessoas, muitos professores e amigos que já foram para olimpíadas internacionais."
L: "E como foi a rotina de estudos para ser selecionado para a OLAA?"
B: "Durante o meu terceiro ano, eu era muito focado nisso. Passei mais de um ano estudando, me preparando para isso. Então, a rotina de estudos durante tanto tempo varia muito. Tinha épocas que eu dormia bem cedo da noite e acordava de madrugada para estudar e passava o dia todo estudando, manhã e tarde. E tinha épocas que eu passava manhã, tarde e noite estudando. Como eu passei tanto tempo assim, nem sempre foi um estudo tão perfeito. Por exemplo, durante essa quarentena eu passei por um momento ruim na minha vida e isso afetou os meus estudos. Eu passei um bom tempo sem conseguir estudar bem ou estudar focado. Eu passei cerca de um mês sem conseguir estudar absolutamente nada. Isso é uma coisa que afeta muito. Quando você está em um momento decisivo, como eu estava, um mês de estudo faz uma diferença absurda, mas para mim não estava dando. Eu consegui retomar aos poucos com a ajuda do meu professor [Ednardo Rodrigues da Seara da Ciência da Universidade Federal do Ceará]. Então, é uma coisa que sempre vai variar muito a rotina de estudos durante um certo tempo. O principal é manter uma rotina de estudos fixa. Acho que a rotina que eu mais gostei de seguir foi acordar cedo e estudar de manhãzinha e à tarde, fazer alguns simulados, mantendo um ritmo que não seja tão desgastante, mas que seja proveitoso. O importante é você estudar da maneira certa. Tinha épocas que eu estudava, por exemplo, mas eu não sabia como estudar porque eu não tinha muita orientação para isso. Mas, com o tempo, você vai ganhando experiência e orientação de outras pessoas e vai melhorando seus métodos de estudo."
L: "Você falou que durante a quarentena passou por um momento difícil e teve sua rotina afetada. O quanto a quarentena afetou você nos estudos?"
B: "No caso desse mês que eu passei sem conseguir estudar foi uma coisa que afetou bastante porque primeiro que a gente parou com todas as aulas presenciais e não íamos ter mais as viagens que teríamos para Vinhedo [São Paulo], não tinha mais como a gente interagir da mesma forma e todo mundo estava um pouco distante, além de coisas pessoais da minha vida. Afetou dessa forma. Foi com bastante dificuldade que eu consegui voltar a estudar, com ajuda do meu professor [Ednardo Rodrigues]."
L: "A escola pública te auxiliou a conseguir ser selecionado para essa olimpíada internacional?"
B: "Com certeza. Lá na escola, você sente que tem muito apoio quando você tem uma boa causa. Eu sempre tive muito apoio, principalmente do professor Maxwell de física e do diretor Otacílio. Eles sempre me acompanharam nesse percurso e acreditaram que era possível. Me ajudaram muito. Na época que a gente tinha que conseguir dinheiro para as passagens do Rio de Janeiro, eles se esforçaram bastante, tanto quanto o Ednardo, indo à SEDUC [Secretaria de Educação] e fazendo vaquinha. A gente fez uma vaquinha na escola e muitos professores ajudaram. Também tem o nosso grupo de astronomia que eles também sempre apoiaram a realização das atividades. E tudo isso contribui bastante."
L: "E desde quando você estuda em escola pública?"
B: "Ao longo da minha vida, nos primeiros anos do ensino fundamental, eu alternei alguns anos entre escolas públicas e particulares. E meus últimos seis anos foram em escolas públicas [desde de 2014]."
L: "O que você recomendaria para quem está iniciando os estudos em astronomia agora e vai fazer a OBA?"
B: "Você tem que procurar os conteúdos que tem que estudar e resolver questões das provas passadas, todas as questões que você puder. Também recomendo procurar pessoas que têm os mesmos objetivos que você, que estudem contigo e que possam te ensinar; e pessoas para quem você possa ensinar as coisas que você aprende. Uma coisa muito importante em uma olimpíada como um todo são as experiências que você tem e as pessoas que você conhece. Uma coisa que eu percebi durante a olimpíada foi que qualquer pessoa pode estudar astronomia, seja ela uma pessoa que se considere de exatas ou de humanas, de ciências biológicas. Não importa de qual área do conhecimento você é ou qual área você tem mais afinidade. Qualquer pessoa pode estudar astronomia da sua forma e, ao longo das seletivas, da OBA também, você passa por muitas experiências incríveis com os amigos que você tem e com as pessoas que você conhece. E é muito importante aproveitar isso porque não existe um sentimento de competitividade, é uma coisa que a gente não sente. Quando você está em uma seletiva presencial, por exemplo, 'tá' todo mundo lá tentando aprender junto, conversando e ensinando um ao outro. É um sentimento de cooperação e não de competitividade. É isso e focar, sempre ter em mente o seu objetivo, se é ter uma medalha da OBA ou ir para uma olimpíada internacional, seja qual for o seu objetivo é importante manter em mente o que aquele seu objetivo significa para você e para as pessoas ao seu redor, para as pessoas que acreditam em você e que sempre te ajudam a alcançar esses seus objetivos."
L: "E o que você recomenda para quem já está estudando para uma olimpíada internacional?"
B: "Tem alguns tópicos que são os mais importantes, alguns conteúdos, como mecânica, astronomia de posição, fotometria, instrumentos ópticos... Tem alguns tópicos que, vendo as questões, você percebe que eles são mais frequentes e densos de se estudar. E eu já falei a questão de resolver provas passadas, que é essencial você resolver todas as questões que você puder. Você adquire uma experiência muito boa para quando for fazer a prova. Fazer simulados, o tanto que puder com as provas passadas. Procurar por meios de estudos bons na internet, como o livro do Carroll e do Boczko de astronomia de posição e vários outros livros que você pode achar no site do NOIC [Núcleo Olímpico de Incentivo ao Conhecimento], que é um site incrível para quem quer fazer não só olimpíadas de astronomia, mas para qualquer olimpíada internacional porque o site do NOIC é feito por ex-olímpicos de olimpíadas internacionais, então eles têm um material excelente que dá para auxiliar bastante."
L: "Quais são suas inspirações pessoais?"
B: "Eu me inspiro em algumas pessoas como o Raul, que foi medalhista de bronze na IOAA do ano passado [2019], e no professor Ednardo [da Seara da Ciência], que é um professor incrível. São as duas maiores inspirações de pessoas que eu tenho. E inspiração pessoal foi a questão de eu ser aluno de escola pública e a escola pública não ter uma frequência muito grande de alunos que participam das seletivas e tudo mais. São poucos alunos que chegam numa seletiva presencial de astronomia que são de escolas públicas e menos ainda chegam numa olimpíada internacional. Que eu lembre tem dois alunos do Instituto Federal de Pernambuco que já foram para as olimpíadas internacionais, mas fora eles eu não conheço nenhum outro. Então, não é só um desafio para mim ser um aluno de escola pública e chegar a uma olimpíada internacional, mas era também uma motivação para os outros alunos verem que é possível alcançar isso com muito esforço, que não é uma realidade distante. E, quem sabe, servir de exemplo e inspiração para que outros alunos de escolas públicas possam ver que isso é possível."
L: "Quais são seus planos futuros?"
B: "Eu quero cursar física na UFC. É o objetivo que eu tenho para o próximo ano. Quero começar a estudar um pouco de astrofotografia e também quero criar um canal no YouTube para poder ajudar outros alunos a estudarem para olimpíadas, fazer aulas, resolução de questões e tudo mais ao longo dos próximos anos."

Durante a entrevista, ele ainda disse que o professor Me. Heliomárzio Rodrigues Moreira bem como o ex-olímpico Raul Teixeira foram essenciais nessa jornada de preparação, ajudando-o com aulas e materiais. Além disso, ele também mencionou que professor Dr. Dermeval Carneiro ajudou na solicitação de recursos para a viagem do Rio de Janeiro junto à Secretaria de Educação (SEDUC).


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Astronomia, Interstelar e olimpíadas (episódio do podcast com os professores Heliomárzio e Paulo Otávio)

Acesse o guia de estudos do NOIC para olimpíadas de astronomia clicando aqui.

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