Passageira ilusão

A ilusão é querer ser melhor que os outros quando somos todos iguais, somos todos pó galáctico, somos todos negros por dentro, somos todos macacos querendo ser gente, somos todos opressores da revolução, da que aconteceu hoje, ou da que acontecerá amanhã de manhã, quando os trabalhadores forem trabalhar, quando as mulheres parecem livres no mundo todo.

A ideia é simples: estudar, crescer, trabalhar até morrer, ignorando tudo que acontece. Hoje, por exemplo, passei, quando estava em um ônibus, por senhoras sujas, com roupas rasgadas, deitadas do lado de um mercantil, na calçada. Todos passavam, mas as ignoravam, como se não existisse ninguém ali. Como tudo aquilo fosse algo que não existisse. E o ônibus continuoou, como a vida.

Refleti, querendo mudar alguma coisa, mas sem dinheiro algum. Dinheiro... É por isso que os homens de terno da Assembleia trabalham. Esses governantes do povo, que deveriam lutar pelo povo, e não por dinheiro, deixam o povo em situações precárias. A vida não se move a dinheiro, talvez a gasolina... A questão é: a vida é passageira, uma viagem que acaba, e, se essa viagem acabar hoje, o que você fez de bom? Disse "eu te amo", antes de sair de casa para uma pessoa que merece seu amor? A verdade é cruel: somos seres orgulhosos demais para admitirmos nossas falhas, nossas quedas, e até mesmo nossos sentimentos. Temos nojo daquelas senhoras deitadas, enquanto temos apego a papéis com valor, para os humanos.

Nós vivemos tentando ser melhores que os outros quando, na verdade, devemos tentar ser pessoas melhores, solidárias, com um pouco de empatia. Não é proibido dizer "eu te amo", viu? Não é proibido ajudar moradores de rua, certo? Não é proibido perdoar, ok? Proibido é tentar ser o que não é para impressionar os outros, proibido é não viver tudo que tem para viver.

Nós, comumente, queremos viver como numa selva, cada bando luta pelo seu espaço. Mesmo com essa semelhança, nós somos superiores aos animais que não pensam, pois nós pensamos, somos os racionais. Racionais... Racional, o homem que destrói árvores para construir prédios, o homem da Assembleia, o homem que vive em bandos, o homem que polui o próprio doce lar, ou melhor, poluído lar. Desse jeito é melhor não pensar do que pensar e fingir que não pensa.