Acordei no que parecia ser um dia normal. Céu azul, sem chuva; o sol tinindo, quente como sempre. Escovei meus dentes e fui caminhar. Com fones, pouco percebia o que se passava externamente ao meu mundo. Estava concentrado mesmo era nas minhas músicas. Até que, em dado momento, percebi que um homem, bem mais velho que eu, estava me seguindo.
“Não, é só coisa da minha cabeça”, pensei. E, então, dobrei à esquerda na primeira rua que vi. Estranhamente ele também dobrou. Fiz um ziguezague nas ruas do bairro. E ele também o fez.
“Ele estava mesmo a me seguir?”, já pensava apavorado, até que escutei:
“Psiu, vem aqui.”, um moço que tinha quase a minha idade me chamava. Como estava apavorado com aquele senhor me acompanhando, aproximei-me do rapaz.
“Oi. Pode dizer.”, eu disse, curioso, enquanto caminhava.
“Sabe o homem que te segue?”
“Sim.”
“Ele é um viajante no tempo e ele veio te matar.”
“Calma. Viajante no tempo? Me matar? Como assim? Explica isso direito!”, disse, ainda bastante desentendido do que estava acontecendo.
“Sim, viagem no tempo existe. Mas esse é um recurso que poucos têm acesso e só é usado em casos extremos, como nesta situação, em que você destruiria a nossa forma de governo no futuro e mudaria as relações de trabalho, melhorando a nossa sociedade.”
“Eu? E quem é você?”, perguntei, de certa forma, desacreditado na história toda. Pareceu-me coisa de louco.
“Eu? Eu sou você do futuro. Alertaram-me que, se ele te matasse, eu deixaria de existir e o mundo nunca se tornaria melhor. Mas, para despistá-lo… Apenas andar mais rápido não vai adiantar.”
Ele, então, diz para entrarmos em um carro vermelho. E o liga rapidamente para sairmos do campo de visão daquele exterminador.
“Como você conseguiu o carro?”
“Bom, para um viajante do tempo, nada é tão difícil. Falando nisso, ele também não terá dificuldades para nos encontrar, temos que pensar como vamos fugir dele.”
“Quem é ele mesmo?”
“Só sei dizer que ele vem do passado para concretizar o plano de uma máfia que quer dominar o mundo.”
Nós fazíamos curvas a toda velocidade. No entanto, isso não foi o suficiente para despistar o exterminador do passado. Ele, em um carro preto, já estava nos acompanhando. E, à frente, apareceu um engarrafamento.
“Poxa!”, ele falou decepcionado e batendo no volante. “Não acredito nisso. Ele vai nos alcançar!”
E ele realmente já estava encostando no carro em que estávamos. Chegando ao nosso lado, ele baixou o vidro, acenou para que também baixássemos e disse:
“Preciso falar com vocês.”
“Nós não temos nada para conversar contigo!”, o meu eu do futuro expressou-se da maneira mais ríspida possível.
“É importante. O futuro da humanidade depende disso.”
“Tudo bem. Então, podemos nos encontrar às 16:00 amanhã?”
“Marcado. Encontro vocês.”, falou misteriosamente.
Ele, então, saiu do carro preto e, repentinamente, sumiu do nosso campo de visão.
“Eu disse que ele nos encontraria facilmente. Agora temos menos de 20 horas para nos prepararmos para esse encontro. Você sabe lutar?”
Falou, logo se lembrando:
“Ah, é mesmo. Eu aprendi capoeira apenas com 25 anos e você ainda tem 20, não é?”
“Sim...”
Continuei, surpreso:
“Calma, eu vou aprender capoeira?”
“Sim. Mas agora eu preciso voltar para o meu presente para me preparar para esse encontro. Onde você quer que eu te deixe?”
“Me deixe em casa. É coisa demais para eu entender!”
Ele, então, me deixou na minha rua e me disse que voltava já. Fiquei ansioso para me encontrar de novo. Afinal, era eu do futuro. Ele devia saber tudo o que aconteceria comigo, todas as minhas falhas e meus erros. No entanto, agora, o meu futuro só dependia dele, pois aquele homem ainda pretende me matar para dar o poder de dominação do mundo da máfia. “Mas por quê?”, perguntava-me sem saber muito bem como eu influenciava tanto este mundo. Passaram alguns minutos e eu escuto a campainha tocar. Fui atender e era ele.
“Viagem no tempo é bem rápido, não é?”, eu questionei, curioso.
“A tecnologia que temos no futuro é bem avançada. Mas, agora, o que importa é você aprender a se defender dele. Pois, se você morrer, eu, consequentemente, deixarei de existir. Não há nada que eu possa fazer em meu presente para detê-lo, pois a máfia dele já está muito avançada no meu presente. E eles escolheram me matar com 20 anos, pois é o momento que estou mais vulnerável.”
“Acho que entendi. Agora, me diz logo como vamos nos defender dele?”
“Bom. Trouxe aqui uns equipamentos que usamos para combates desse tipo.”
“Mostre logo isso aí!”
Ele, então, começou a explicar:
“Isso aqui é a balinha. Tu coloca ela em uma bebida e a pessoa dorme em um minuto. Não pretendo atirar, mas trouxe este destruidor quântico que destrói as ligações atômicas de qualquer objeto ou pessoa.”
“Eita! São irados mesmo esses teus equipamentos! Nem imaginava que dava para evoluirmos tanto assim em termos bélicos.”
“Não acabou. Esta outra transforma o que é sólido em líquido. E, por último, mas não menos importante, a arma de portais. É só com ela que podemos transitar no tempo. No meu presente, cada pessoa só tem direito a uma dessas. Por isso, ela fica comigo. Onde podemos começar os treinos?”
“Ali tem uma quadra boa, cara. Quer ir lá?”
“Não podemos nos expor!”
“É verdade, não é? Então, podemos treinar aqui em casa, mas não podemos destruir nada. Se minha mãe ver um dos vasos dela quebrado, ela me mata.”
“Tudo bem. Tem um lugar mais aberto para eu te ensinar alguns golpes?”
“Vamos para a sala. Lá é melhor e mais aberto.”
Então, ele começou a me ensinar alguns golpes de capoeira:
“Olha. Armada é um golpe que serve muito para atacar. Você chuta com o lado externo do pé, em que o corpo dá um giro de 360 graus por trás.”
E ele me mostrou o golpe. Além desse, ele também me ensinou o aú, benção, cabeçada, ginga, maculelê, martelo, meia-lua, meia-lua de frente, negativa, queixada e muitos outros. Eu não ia me tornar um mestre em capoeira em um resto de tarde, mas alguma coisa eu posso dizer que aprendi. No fim, ele disse:
“Entendeu, não é? Só use as armas em último caso.”
“Sim. Quero te pedir uma coisa: não conta nada a minha mãe. Se ela souber dessa história toda, ela vai ter um piripaque.”
“Tudo bem. É bom que seja sigiloso mesmo.”
As horas passaram bem rápido e já anoitecia. Minha mãe já estava perto de chegar e eu estava preocupado com aquele cara tão parecido comigo dentro de casa. Então, pedi que ele fosse embora:
“‘Ei, minha mãe vai chegar e acho bom que você vá embora.”
“Tudo bem. Só lembre que amanhã venho te pegar às 15 para nos encontrarmos com ele. Certo?”
“Combinado.”
Fechei a porta e minha cabeça não parou em um pensamento. Como assim? Viagem no tempo? Exterminador do passado? Era muita informação para assimilar. Nos livros do meu presente, não tinha uma menção a tudo isso. Quando tudo se tornou possível? Quando evoluímos tanto em termos tecnológicos? Isso parecia mais uma ficção científica em um dos meus sonhos. A campainha toca de novo. Será que ele teria esquecido alguma coisa? Pergunto quem é e, na verdade, era minha mãe. Ainda bem! Precisava ver o rosto de alguém que não seja um viajante do tempo. Uma pessoa que pertencesse ao meu presente.
“Tudo bem?”, ela perguntou.
“Tudo sim.”, claramente nada estava bem. Mas dei uma resposta positiva para não enlouquecer minha mãe. Ela não entenderia tudo isso. Para falar a verdade, nem eu estou entendendo direito.
Fui para a cama. Precisava descansar. Queria dormir e, quando acordasse, queria que tudo isso fosse um sonho. É muito difícil está sendo avisado por uma versão minha vinda do futuro que tem alguém que quer me destruir. E por que eu? Como eu afeto tanto o futuro da humanidade a ponto de uma máfia vir atrás de mim? Pensando nisso, eu dormi. E, quando acordei, fiquei torcendo para o que aconteceu ontem fosse um sonho. Passei a manhã pensando nisso e treinando alguns golpes de capoeira que tinha aprendido. A tarde já estava chegando bem rápido. Almocei e, de repente, já eram 14. Será que ele viria mesmo? Isso tudo seria real? As perguntas não findaram. E a ansiedade só aumentava. A campainha não demorou muito para tocar. Infelizmente, não era tudo um sonho.
“Boa tarde. Está preparado para hoje?”
“Preparado? Não é como eu me descreveria.”
“Preparado ou não, aqui vamos nós. Ele disse que nos achará. E, para ele, não é difícil. É melhor irmos para um lugar mais aberto.”
Ele, agora com uma moto, disse para eu subir na garupa e fomos até uma praça. Mas disse:
“É bom irmos para um lugar mais discreto para não chamarmos atenção. Além disso, você vai ficar com o transformador, mas só use em último caso. Entendeu, não é?”
“Entendi sim.”, disse acenando afirmativamente a cabeça.
Não demorou muito para o homem chegar ao local em que estávamos. Era próximo à praça. No entanto, era mais discreto. Não havia pessoas; o que era bom, pois nós não chamaríamos atenção. Já eram 16, quando ele chegou logo falando:
“Desculpa. Chamo-me Antônio. Você já deve ter ficado sabendo que estou aqui para te matar. Não queria fazer isso, pois você é neto de um amigo meu. Sou uma versão de um amigo de seu avô do passado. Ele morreu um pouco antes de seu pai ter você. A sua família e eu sempre fomos envolvidos com esta máfia. Chamamos ela de Primeiro Comando do Cosmos e tem como objetivo dominar o mundo. No entanto, sua mãe acabou com todo o nosso plano por sua causa. E, não há outra maneira de ter outro futuro, se você estiver vivo. Só nos resta uma opção: te matar.”
“Mas como? Não posso falar com ela para que não se envolva nessa história?”, falei assustado.
“Impossível! Fizemos inúmeras simulações e, em todas elas, se você estiver vivo, perdemos.”
“Você não vai matá-lo”, falou o meu eu do futuro determinado a me defender e tirou o destruidor quântico.
“Você não vai fazer isso…”, Antônio disse, sendo interrompido pelo tiro do destruidor quântico. Em seguida, continuou:
“Isso não funciona comigo.”, e continuou:
“Estou com uma roupa à prova desse tipo de arma. Julio, meu querido… Quero que vocês dois saibam que isso é difícil para mim. Seu pai estava muito feliz quando soube que ia tê-lo, assim como seu avô. Como saberíamos que tudo isso aconteceria? E agora? Agora, estou aqui…”, ele pausa como os vilões de filmes fazem. Mas logo termina: “...tendo que matar você.”
“Não mate. Não acabe conosco. Vamos pensar em uma maneira de contornar toda essa situação! Juntos, como uma velhos amigos! Por que não?”
“Eu já disse que, em todas as simulações, nós vamos perder.”
“Você pode estar protegido contra as minhas armas. Mas você não esperava uma coisa: capoeira! Julio, mostra a ele o que te ensinei!”
Por mais que estivéssemos motivados a lutar, os nossos golpes nem faziam diferença naquele homem. Seria meu destino morrer tão jovem? Tenho tantos sonhos, tantas metas e ainda muito o que aprender, mas, agora, parece que tudo ficaria para trás; todos os planos teriam sido em vão? E tudo o que fiz até hoje?
“Julio…”, o homem falava, se aproximando. A minha versão do futuro tentou impedi-lo, mas ele atirou com uma arma que pareceu congelá-lo.
“O que você fez com ele?”, perguntei, interrompendo nervosamente.
“Julio… Se eu não fosse te matar, diria que ele ficaria bem… Isso está sendo muito difícil para mim.”, falou, emocionado.
“Por que está me abraçando?”, questionei quando ele veio me abraçar, tentando me esquivar do abraço dele.
De repente, só escuto um som de tiro, bem baixo. Aos poucos, ia perdendo os meus sentidos e não sabia o que aconteceria. Não tinha sangue. Só adormecia aos poucos. Pensar ia ficando difícil.
“Este tipo de morte não é dolorida, Julio…”, falou, percebendo que eu estava prestes a adormecer.
Não sabia se eu estava tendo alucinações, mas ele parecia chorar. Não entendia o porquê. Não sabia que ele era tão próximo da minha família. E, agora, meus sonhos, meus amores, meus romances lidos e os não lidos, meus desejos mais secretos, tudo ia tão fácil.
“Não. Não posso fazer isso!”, reconsiderou o homem.
Ele, então, pôs uma pílula na minha boca. E, eu, com as forças que ainda tinha, atirei nele com o transformador.
“Não, meu neto! Voc…”, ele não conseguiu terminar, pois foi transformado em líquido. Parecia que a vestimenta dele não era à prova disso. A minha outra versão parecia estar descongelando e, ainda um pouco desnorteado:
“O que aconteceu? O que você fez?”
“Transformei ele em líquido. Ele me chamou de neto logo depois.”
“O quê? Somos neto dele, na verdade?”
“Você está desaparecendo! O que é isso!?”, perguntei muito assustado.
“Você atirou no seu avô. Logo, seu pai não existirá e, consequentemente, deixaremos de existir. É só uma questão de tempo.”
Enquanto ainda dava tempo, nos nossos últimos suspiros, abracei minha versão do futuro. Nesta guerra com o passado, só tínhamos a perder. Infelizmente, não é sempre que conseguimos. Aos poucos, íamos desaparecendo, deixando de existir. Era como se nunca tivéssemos deixado de existir. Era isso, então. Só tínhamos que aceitar.
"O que foi isso tudo?", questionou uma mulher de jaleco branco chegando ao local.
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A partir de agora, nos penúltimos domingos dos próximos meses estarei publicando novos episódios da série de contos "Guerra com o passado", uma ficção científica que trata de viagem no tempo. A primeira parte terá 12 episódios.
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Alegoria de um mundo quadrado
Da perfeição ao caos sentimental
Até mais e espero que tenha curtido a novidade!😁
Muito criativa a ideia de uma máfia temporal que atua ao longo de toda a história. Ansioso pra descobrir como a história vai se desenvolver.
ResponderExcluirAté eu estou ansioso pelo desenrolar da trama😅✌
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