domingo, 19 de julho de 2020

Guerra com o passado - Episódio 04: O baião de dois e verdades inconvenientes

Este é o episódio 04 da série de contos de ficção/fantasia científica "Guerra com o passado". Você ainda não leu os episódios anteriores? Clique aqui e leia agora! E, se você já conhece a série, sei que estava ansioso por mais um episódio. Então, boa leitura ;)

        Olhando pelo olho mágico da porta, ele percebeu que Katie, uma amiga membro da Resistência, tinha chegado.
        “Olá. Não acredita que eu acabei me esquecendo que marquei para você vir? Mil desculpas. Mas ainda podemos nos reunir.”, Luís falou, demonstrando um pouco de vergonha.
        “Tudo bem. Precisamos conversar muito mesmo.”, ela respondeu já entrando, sem perceber que Curie estava ali.
        Música era a praia de Katie, que andava com roupas coloridas e folgadas e ainda costumava manter o cabelo curto. Ela não estava em nenhum relacionamento conjugal. Naquela sociedade, era difícil acontecerem relacionamentos sinceros. Para falar a verdade, aconteciam muitos por interesses familiares e econômicos.
        “Ontem foram presos dois homens e três mulheres associadas ao grupo criminoso Resistência. Não faltaram provas que eles estavam envolvidos com o comércio clandestino de livros proibidos...” , a tevê, que tinha acabado de ser ligada no telejornal, anunciava.
        “Um absurdo! Como podem fazer tantas pessoas aceitarem a ideia de livros proibidos?”, Katie falou revoltada.
        “Também não entendo como empurram isso para toda uma sociedade.”, a física entrava na conversa ainda sem conhecer nem um pouco aquela mulher que se revoltara com o noticiário.
        “Ah, vocês não se conhecem. Ia esquecendo de apresentar vocês. Esta é a Curie, ela é uma cientista e está passando um tempo em um dos apartamentos daqui. Passei a tarde conversando com ela. E esta é Katie, minha amiga.”
        “Prazer.”, Curie adiantou-se.
        “O prazer é todo meu. Sempre digo que amigos do Luís são meus também.”
        “Katie, já decidiram o que vamos fazer em relação aos nossos colegas que foram presos?”, Doppler perguntou.
        “Vamos tirá-los de lá o mais rápido o possível. A pergunta agora é como.”
        “Pessoal, eu recomendaria, inicialmente, vocês coletarem o maior número de informações o possível sobre o destino deles. Eu posso pensar em como ajudá-los, mas agora tenho que ir. Já estou muito cansada.”, disse a doutora aprontando-se para voltar ao apartamento.
        “É uma pena você estar indo, ia gostar bastante de conversar conosco. Não me canso dela.”, comentou Doppler.
        Logo eles despediram-se e Ana voltou para o apartamento de Joseph, levando o açúcar emprestado. Felizmente, ele ainda não tinha chegado. Então, ela entrou e tomou um banho gelado. A água gelada maltratava o corpo dela, acostumado com banhos na temperatura ideal, mas chuveiros elétricos pareciam não fazer parte daquela realidade; na verdade, todas as acomodações tecnológicas do século XXV moderno pareciam ter desaparecido naquele mundo paralelo. Ela ia aos poucos adaptando-se àquelas condições, mas não deixava de pensar sobre como recuperar tudo o que tinha. As saudades dos momentos que passava com Carlos, das operações ultrassecretas e da modernidade aumentavam a cada dia. Ao terminar o banho, ela enxugou-se e foi preparar algo para comer. Ela decidiu fazer baião de dois, porque, para ela, era um prato característico de boas lembranças. “E como faz comida aqui? Cadê as telas para apertar os botões virtuais das funções?”, ela pensava, encontrando dificuldades sem as tecnologias com as quais ela estava acostumada.
        Enquanto ela procurava entender como se faziam comidas ali, a porta abria. Era o Joseph, cansado de caminhar pelas muitas ruas taciturnas da cidade atrás de alguns bicos.
        “Finalmente você chegou! Você deve estar morto, não é?”, ela questionou.
        “Hoje foi um dia bem cansativo, porém nada que eu não estivesse acostumado.”, ele responde-a.
        “Como vocês fazem comida aqui?”
        “Você nunca fez comida?”
        “Eu fazia…”
        “O que você gostaria de fazer?”
        “Baião de dois.”
        “O que é isso?”
        “Você não sabe o que é baião de dois? Vamos, você me ensina a cozinhar aqui e eu te ensino a preparar um delicioso baião de dois.”
        “Combinado. Deixa eu só tomar um banho.”
        “Ah, o chuveiro não está deixando a água na temperatura ideal. Ele está com problemas?”, ela perguntou ingenuamente.
        “Como assim ‘problemas’? Não. Ele nunca deixou a água em uma temperatura boa e o clima nem está muito frio.”
        “Onde eu vivia havia chuveiros que regulavam a temperatura de acordo com alguns fatores do ambiente.”
        “Isso deve ser demais.”
        Ele tomou banho rápido e logo foi ensiná-la a ligar o fogão. E ela, por sua vez, aprontava o baião para eles.
        “Meio quilo de feijão verde, dois tabletes de caldo de vegetais, uma cebola ralada, um dente de alho amassado, três colheres de óleo, meia colher de coentro picado, duas xícaras e meia de arroz lavado e escorrido são os nossos ingredientes, Joseph. A gente põe o feijão para cozinhar com os tabletes e, enquanto isso, vamos dourando a cebola e o alho, no óleo, em outra panela. O arroz já pode ir cozinhando com o coentro.”
        “Assim?”, ele mostrava para ela uma das panelas.
        “Exatamente!”, ela falou demonstrando alegria.
        Alguns momentos passarão-se e o baião de dois, com arroz, feijão e temperos misturados, estava pronto. Já era noite e os dois estavam cansadíssimos, mesmo assim, eles não deixavam de papear. Conversa vai, conversa vem e ele nota açúcar a mais na casa.
        “Por que tem aquele açúcar a mais?”, ele questiona.
        “Ah, fui pegar um pouco mais de açúcar emprestado com o vizinho. Eu pensava que ia usar em uma receita.”, ela disfarça que, na verdade, estava a investigar a vizinhança.
        “Calma, você não pediu ao Luís, pediu?”
        “Foi ele mesmo que me deu.”
        “Você não podia fazer isso! Ele deve ter livros proibidos na casa dele!”, ele gritava como se ela tivesse tido a pior atitude do mundo.
        “Não grite com ela!”, Luís entra com Katie defendendo Curie.
        “E qual o problema, Cooper?”, a doutora indaga.
        “Não está claro que eles são criminosos para você?”
        “Bom, para mim, você só está deixando claro que é extremamente preconceituoso, apesar de ser uma boa pessoa.”, ela responde-o.
        “Se você quiser ficar lá em casa, pode ficar. Será um prazer.”, Doppler oferece.
        “É melhor ficar com ele, já que acha que sou tão preconceituoso assim.”
        A discussão encerra-se por ali e ela foi arrumar seus pertences. Certamente, ela tinha mais a ver com Luís do que com Joseph. Ela ainda indagava-se sobre como as leis da física permitiram tantas mudanças. “Elas [as leis da física] não poderiam permitir que Julio matasse um antepassado dele, porque isso não teria consistência; é até paradoxal.”, ela pensava enquanto se organizava.
        “Curie, está pronta?”, Katie pergunta.
        “Estou. Vamos.”


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Está gostando de "Guerra com o passado"?
Como o prometido, todo penúltimo domingo do mês sai um episódio novinho desta série de contos de ficção/fantasia científica. O que achou? Deixe um comentário ;)
Se você é um daqueles que gosta de ler ficções científicas, leia esta resenha:
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