domingo, 28 de outubro de 2018

A receita de uma vida plena

Para uma leitura mais envolvente, indico a música Todo Homem, colaca aí baixinho no loop e lê ;)

Jovem, cheio de pensamentos e reflexões, mas poucas experiências. Vinha pedalando a toda velocidade, quando o sinal fecha, freando e cantando pneu com todo o charme que você pode imaginar. Olho para o lado e vejo um homem mais ou menos velho, com roupa social em um carro grande e aparentemente caro. Ao lado dele, estava uma mulher muito bem arrumada, com cordão de ouro, brincos que pareciam caríssimos e joias nos dedos e, no banco de trás, um garoto com uma farda escolar, teclando em um smartphone de última geração.



Tríscele
Eu, ali, na bicicleta, sem tantas coisas, apenas com uma mochila velha e suja nas costas. Por um momento, eu olho para o homem e ele me olha, como se estivesse me julgando. Mas não foi uma olhadela qualquer, olhamos com intensidade um para o outro, cada um com seus pensamentos, sentimentos e vidas totalmente diferentes. Tão distantes um do outro que a diferença é a única semelhança entre eles. A troca de olhares durou por alguns segundos, segundos bastantes para eu entendê-lo em toda sua vida e ele me entender por completo. Não sabia o que tinha acontecido, foi como se tivéssemos trocado mais do que olhares, tivéssemos trocado todas as nossas experiências, emoções e nossos medos mais profundos.

Voltava do trabalho, depois de ter pegue minha esposa e meu filho, quando avistei um jovem, suado, com uma mochila velha e suja e um tênis escolar, pedalando. O sinal, infelizmente, tinha fechado. Ele estava logo ali; um pouco ofegante. Olho para ele e ele olha para mim, trocando olhares por alguns segundos, segundos bastantes para eu sentir ares da juventude, com todos os seus medos, emoções e paixões. Olhares mais do que intenso, olhares envolventes e misteriosos. Aqueles olhares não foram quaisquer olhares, porque foi como se eu tivesse imerso na minha breve juventude, na brevidade do momento repleto de emoções e de ideias, tudo novamente.

Algo mudou em mim, algo muito importante e que me definia. Lembro da época em que eu usava camisas que expressavam o que havia dentro de mim, como a que aquele jovem estava usando. Lembro também de quando tudo o que queria era ser uma pessoa que questionasse a validez de todas as verdade e a invalidez de toda as falsas afirmações e que, um dia, fizesse alguma diferença no mundo. Porém, acabei em uma família chata e tão tradicional quanto as missas de domingo. Pouco me recordo do dia que mudei o rumo da minha vida, mudei minhas ideias, costumes e hábitos. Acabei me tornando tudo que eu detestava e até odiava.

Acho que as coisas começaram a mudar quando eu conheci aquela garota. Na verdade, foi quando eu passei na universidade. Ou foi no fim da minha graduação? É... Eu nem sei quando e como começou tudo isso. Por outro lado, com tantas contas para pagar e coisas para fazer nem tenho tempo de pensar em outro estilo de vida que me representasse mais, que fizesse eu me amar mais. Talvez, toda essa correria que, na verdade, é malfeitoria já tomou conta de mim. Infelizmente, não tem mais volta. O jeito é aturar o saco que é minha esposa e o sacão que é o meu filho e viver assim: eu, ela e ele, todos nós com nossas futilezas e tristezas. Agora, só espero o meu infeliz casamento acabar e...

"Doutor, ele está reagindo!"
"Os batimentos cardíacos dele voltaram!"
"É um milagre!"

Acordo meio tonto. Tem muitas pessoas com jalecos próximas de mim. Um deles pergunta algo sobre mim. Não entendi muito bem, porém, pelo que estão dizendo, eu fui atropelado enquanto pedalava de volta para casa. Mas como? Há anos que não pedalo mais. Eu disse que tinha de avisar o meu chefe. Eles dizem que estão ligando para a minha mãe e que vai ficar tudo bem. O estranho é que minha mãe morreu faz dez anos...

"Acho que ele está com traumas psíquicos. Ele só tem 16 anos e está falando de avisar o chefe dele, mas em sua ficha consta que ele não trabalha." - alguém sussurra.

Nenhum comentário:

Postar um comentário