sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Cidade grande

Vestiu as calças, abotoou a camisa e calçou os sapatos pretos. As olheiras, causadas por ter trabalhado até tarde no dia anterior, eram indisfarçáveis. Roupas caras faziam-o parecer gente grande e bem sucedida, principalmente os sapatos pretos. Já estava atrasado para o trabalho, as ruas chamavam-no. Ele olhou-se no espelho e pensou: "pra que tudo isso, quem eu sou hoje?"

A vida dele era o que todos queriam que ele fosse, menos ele. Tudo aquilo era para sustentar a ideia de que ele era uma pessoa feliz e que podia comprar o que quisesse... Desde criança, os pais obrigaram-no estudar para ser alguém na vida, com o tempo ele entendeu a importância.  Ele já ia em direção ao carro, quando, na sala, se deparou com sua coleção de miniaturas de carros, motos e bicicletas os quais ele mal brincou, pois estava ocupado demais com outras atividades. Estranhamente, os carrinhos estavam espalhados.

Mesmo atrasado, sentou-se ali para arrumar a bagunça e veio as memórias das poucas vezes que ele brincava. "O que aconteceu comigo?" - perguntava-se. Era orgulhoso o bastante para assumir que ele era o que os outros queriam, pois quando criança queria ser policial e não um explorador de pessoas. 

Escutou um barulho vindo da cozinha e, chegando lá, apareceu um menino. O homem, de sapatos pretos e assustado, perguntou, com uma vassoura apontando para o pequenino: "Quem é você?". O menino não respondeu, ele só queria brincar. Aí o menino correu para pegar os carrinhos. Desta vez, sentou-se para brincar com o menino. Estava muito feliz em viver um pouco da infância, um pouco do menino inocente e nada ambicioso.

A sociedade o fazia ter grandes preocupações desnecessárias. Agradar os outros era mais essencial do que a própria felicidade. A grande regra do jogo era parecer feliz, não precisava ser. O alarme toca. Ele não estava atrasado. E ele se toca de que ele nunca esteve atrasado, a vida que sempre foi muito apressada.

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